"Nem uma pálida luz nas janelas, nem um reflexo desmaiado nas fachadas, o que ali estava não era uma cidade, era uma extensa massa de alcatrão que ao arrefecer se moldara a si mesma em forma de prédios, telhados, chaminés, morto tudo, apagado tudo."
Saturday, September 29, 2007
Odeio Telefonemas e Telefones. Gosto de Atendedores
"[...] Tal como o fax, os atendedores são um suplemento de decadência e de civilização. [...] O recado que se deixa ou o fax que se manda é a versão moderna do bilhete ou da carta. Ficam gravados. Podem ouvir-se e responder-se quando se quiser. O telefonema, sem a mediação de um atendedor, é uma imposição, uma surpresa, uma interrupção incómoda, provocada por uma parte sobre a outra. É malcriado telefonar. É como aparecer em casa de alguém sem dizer nada. Odeio as pessoas que, antes de aparecer em casa, telefonam primeiro, como se telefonar não fosse já uma invasão e uma falta de respeito. [...] O que é inaceitável no telefonema é o fascismo do "Trrim, trrim, trrim", inculcando no destinatário o terror primeiro do alarme e da sirene, obrigando-o a levantar o auscultador e a falar com sabe-se lá quem, só para parar a barulheira. [...] Para deixar um recado num atendedor ou mandar um fax é preciso pensar um bocadinho primeiro. É nesse pequeno sacrifício que sobrevive o resíduo social e a civilizado da comunicação. [...] Os atendedores e os faxes restituem aos contactos sociais, sempre marcados por identificações concretas e barreiras conveniente, uma possibilidade civilizada de distanciação e de recato."
M. E. Cardoso, Independente, 4/3/94
Eu também odeio telefonemas e telefones. Gosto de atendedores e sms's. (texto "estudado" numa aula prática de Técnicas de Expressão Portuguesa)
Bem, este filme é a modos que uma daquelas fitas obrigatórias para os olhos de qualquer um que se diga fã da 7ta arte. É um filme rico em simplicidade, com prestações notórias, especialmente a de Massimo Troisi que dá vida a Mario Ruoppolo, o humilde carteiro de Pablo Neruda, na altura em que este é obrigado, por razões políticas a procurar exílio.
O grande poeta chileno transmite a Mario a consciência de vida há muito buscada, o empurrão de que este precisava para se afirmar e lutar pelas coisas que o movem.
A poesia é, afinal de contas, tão natural como respirar. As metáforas estão presentes em todas as coisas. A escrita não é afinal para poucos, é para todos. As palavras não pertencem a quem as sabe domar mas a quem se deixa tocar e levar por elas.
Pablo Neruda: When you explain poetry, it becomes banal. Better than any explanation is the experience of feelings that poetry can reveal to a nature open enough to understand it. (por isto nunca apreciei as dissecações literárias das aulas de português)
Mario Ruoppolo: Poetry doesn't belong to those who write it; it belongs to those who need it. (verdade.)
Passa hoje, na RTP1, às 22:55. A não perder.
Curiosidade: o actor Massimo Troisi (Mario Ruoppolo) morreu, vitima de ataque cardíaco, doze dias após a conclusão das filmagens.
Ontem à noite estive a ver o Anything Else, e quem haveria de dizer que Woody Allen, Jason Biggs e Christina Ricci fariam um trio tão cómico e agradável?
Experimentem ver o filme num dia em que estejam absolutamente miseráveis. Eu estava, mas de repente, nos momentos mais inusitados lá saía uma gargalhada. Eu adorei. Não via uma comédia assim há muito tempo. E logo depois de acabar, começaram o The Sweetest Thing com a Diaz, a Applegate e a Blair e os Bad Boys II com o Smith e o Lawrence (que, como não apanhei desde o ínicio, vi nos intervalos do The Sweetest Thing)
Fogo. Aconselho a toda a gente a ver comédias até adormecer. Comecem por uma bem negra, do género Anything Else, uma do género em que a desgraça das personagem, o despropositado das situações seja tão real e deprimente que se torne hilariante. E depois partam para as mais de parvoíce :P
Mais não digo, que já teclei demais. (para variar O.o)
António Variações, barbeiro de profissão, músico por devoção.
Este homem foi provavelmente o meu primeiro amor musical. Um amor que se mantem devoto até hoje. Este homem foi (ou deverei dizer é?) um génio. Morto quatro anos antes de eu nascer, poucos anos depois de estar viva conheci-o não me lembro com exactidão como, lembro-me de estar com a minha mãe numa discoteca (que desapareceu pouco tempo depois de abrir) a tentar escolher uma k7 que fosse recente de alguma das bandas portuguesas preferidas da minha prima para lha enviar para a Holanda. Ora, sem me lembrar exactamente de todos os pormenores (mesmo porque era uma fedelhita muito pequenina) lembro-me do senhor nos estar a pôr as k7's num dos leitores e a dar-nos os head phones para as mãos e lembro-me de escutar o som que saía dos dele, Variações. Ao fim de tanta audição musical e tão variada, curiosa, quis ouvir o que o senhor ouvia e é claro que acabamos por sair de lá com uma k7 para a minha prima, e três para mim: António Variações, Santos e Pecadores e Delfins. Lembro-me perfeitamente de ir no Twingo da minha mãe para a escola primária a cantar António Variações e de até gostar de ficar presa na passagem de nível só para ouvir mais um bocadinho. É interessante não é? A "O Corpo é Que Paga" deve ter sido o meu primeiro amor, logo seguida da "É Pr'Amanhã", eram as que eu percebia melhor a letra talvez, lembro-me que adorava a parte das unhas na "O Corpo é Que Paga", eu roía as minhas bastante, então achava graça ao que ele dizia.
Fui crescendo, ouvindo com mais atenção as letras das músicas, fui ganhando cada vez mais respeito e admiração pelo senhor, e só lamento que ele não tenha ficado entre nós mais tempo para viver um pouquinho mais a sua vida musical. O que nos deixou não foi muito mas vale, definitivamente, muito a pena e é valiosíssimo.
Este homem excêntrico, de maneiras demasiado europeias para um Portugal tão pequenino, trabalhador, apaixonado, aventureiro e dedicado, fez de tudo nesta vida e percorreu muitos e muitos palmos de terra. Este espírito livre buscava sagazmente a plenitude, o equilíbrio interior, através da experiência, fosse ela dolorosa ou não, em tentativas incansáveis de testar os seus limites, que seriam, em último, os de toda a gente. Transgressor, ousado, irreverente, abriu em Portugal o primeiro cabeleireiro unisexo de Lisboa, onde começou a dar nas vistas pela sua forma vanguardista de vestir. Este foi um homem privilegiado que via para além do seu tempo.
O homem que estava além, sempre insatisfeito e ansioso sobre o quê e quem vinha a seguir, não permitiu nunca que os seus dias passassem de forma sempre igual, tendo finalmente decidido retornar a Portugal e transmitir a sua filosofia de vida ao resto do seu povo, numa tentativa de dar e receber, sem nada ganhar e nada perder. Esta sua forma de encarar a vida e de escrever as suas músicas, sempre assentes sobre a sua larga vivência, pode não ter sido imediatamente compreendida por todos, mas assim quis o destino que a sua música perdurasse, fosse mantida e cuidada por sangue antigo e novo, de quem desde o primeiro momento compreendeu e apreciou em pleno a sua arte e mensagem, para que agora, todos nós, mais de 20 anos depois do seu desaparecimento o possamos fazer também.
Poderia algum outro nome assentar tão bem neste homem quanto Variações? Humilde, verdadeiro e original este homem é uma figura incontornável do panorama cultural português. Para o próprio a sua música caminhava algures por entre a Sé de Braga e Nova Iorque, reuniu o folclore, os sons cosmopolitas do rock, o pop, os blues e o fado, enlaçou-os na sua voz e cantou-os tal e qual como brotavam de dentro de si. Foi já, no hospital, nos últimos tempos da sua vida que ouviu pela primeira e última vez uma música sua na rádio.
"Tenho pena de morrer, mas não medo. Tudo o que acaba me deprime. Mais pelo fim do que pelo acto em si." - António Variações, poucas semanas antes de morrer.
É Pra Amanhã:
Canção de Engate:
Homenagens que valem a pena ouvir:
Toranja:
E não é que até o FF lhe fez uma homenagem num dos seus concertos?
Mais um ano de Gerês que passou. A leveza da montanha já foi, agora, de volta à cidadezinha pequena, regressei ao ar quente, bafiento e nervoso da natureza em decadência. Regressei à doença.